Estrutura de Kishotenketsu no Cinema
Para entender como o Kishotenketsu funciona na prática, vamos examinar cada uma de suas partes no contexto de um roteiro cinematográfico:
Ki: A Introdução
Na fase Ki, o roteirista apresenta os personagens, o cenário e o contexto da história. A narrativa aqui é tranquila e sem pressa, focada em criar uma atmosfera e estabelecer a rotina dos personagens. Não há necessidade de criar um “gancho” imediato ou introduzir um problema a ser resolvido.
No cinema, isso pode ser traduzido em longas cenas contemplativas que exploram o ambiente ou mostram interações cotidianas dos personagens. Pense em filmes como Ozu's Tokyo Story (1953), onde a vida cotidiana e as pequenas interações entre os membros da família são apresentadas com uma simplicidade quase poética.
Sho: O Desenvolvimento
A fase Sho expande o que foi introduzido, sem, necessariamente, adicionar tensão ou conflito. Nesta parte, o roteirista pode explorar mais a relação entre os personagens e o ambiente, revelando detalhes que enriquecem o contexto.
No cinema, isso pode ser representado por cenas que adicionam camadas à história, sem pressa de chegar a um ponto de virada. Pequenos eventos podem acontecer, mas sem uma carga dramática óbvia. A atenção aos detalhes e ao subtexto é o que constrói a base para a reviravolta que virá em seguida.
Ten: A Reviravolta
Aqui está o coração do Kishotenketsu. A fase Ten é onde ocorre uma mudança inesperada, mas ela não surge como resposta a um conflito introduzido anteriormente. Em vez disso, é algo que altera a percepção do público ou dos personagens sobre a situação. Pode ser um contraste, uma revelação ou uma nova perspectiva.
No cinema, o Ten pode ser um momento que, de forma sútil, faz o público reavaliar tudo o que viu até agora. Por exemplo, no filme Frances Ha (2012), há uma virada quando a protagonista percebe que seus sonhos e a realidade estão desalinhados, mas essa reviravolta não vem de um grande confronto; é uma simples constatação, que muda o curso da narrativa de maneira inesperada.
Ketsu: A Conclusão
Finalmente, a fase Ketsu é a resolução que conecta os eventos da história. Não é uma solução para um conflito, mas sim uma forma de amarrar as revelações e reflexões que surgiram até então. O final pode ser aberto ou contemplativo, convidando o público a refletir sobre o que aconteceu, em vez de oferecer uma conclusão definitiva.
No cinema, isso pode resultar em finais mais ambíguos ou poéticos, onde o desfecho é mais uma questão de sensação ou emoção do que uma resolução explícita. O final de Café Lumière (2003), de Hou Hsiao-Hsien, é um exemplo de como o Ketsu pode ser uma simples aceitação da vida cotidiana, sem grandes arcos dramáticos.
Kishotenketsu vs. Estrutura Tradicional
A principal diferença entre o Kishotenketsu e a estrutura ocidental de três atos é a ausência de um conflito central. Enquanto a narrativa ocidental gira em torno da tensão entre personagens ou forças opostas, o Kishotenketsu constrói a história de maneira mais orgânica, deixando o público descobrir a profundidade da trama sem a necessidade de confrontos.
Essa estrutura é particularmente útil em histórias que focam no emocional, no reflexivo ou no cotidiano. Filmes que exploram a beleza das pequenas coisas, as nuances das relações humanas e as reviravoltas internas, em vez de externas, encontram no Kishotenketsu um terreno fértil.